segunda-feira, abril 19, 2010

Trocas comerciais entre Angola e Brasil atingem USD 4 biliões

O Pais - Luanda
Alberto Ésper, presidente da AEBRAN, sublinha as vantagens do relacionamento entre dois países que são “líderes regionais” e “alternativas à crise”


A linha de crédito Brasil- Angola, a posição dos dois países nestes tempos de crise, a entrada da Sonangol em alguns blocos de exploração de petróleo no Brasil, para além de outros assuntos, foram tema de conversa com Alberto Ésper, presidente da Associação dos Empresários Brasileiros em Angola (AEBRAN). O técnico brasileiro considera que a actual crise económica pode ser uma grande oportunidade para os dois países se imporem a nível internacional: “Continuo a achar que Angola e o Brasil têm imensas vantagens como alternativas à crise no mundo inteiro”.

Mais da metade dos recursos do Programa de Financiamento às Exportações (PROEX), administrados pelo Banco do Brasil, foi destinado, no ano passado, à economia angolana. Qual o balanço que faz das trocas comerciais entre Brasil e Angola em 2008?

O ano passado, as trocas comerciais foram superiores aos USD 4 biliões. Os financiamentos directos do Brasil para projectos em Angola andam próximo dos USD 2 biliões, que são renováveis. Temos uma linha de crédito aberta Brasil- Angola de USD 1,75 biliões, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDS). À medida que ela é utilizada, vai sendo recomposta.

Qual a previsão para os próximos anos?

Como vem acontecendo nos últimos anos, a tendência é aumentar. Em 2003, a linha de crédito andava à volta dos USD 200 milhões e foi subindo rapidamente. Tanto assim que, com a visita do Presidente Lula da Silva, em 2007, atingiu os USD 1,75 biliões. Para além do financiamento do governo brasileiro há um grande aumento de investidores brasileiros privados em Angola que sabem do potencial deste mercado. Eles vêem Angola como um destino favorável para os seus investimentos e, com o crescimento da indústria nacional, acredito que Angola aparecerá mais na posição de exportador. Os efeitos da crise não chegam a Angola como a outros países. Angola já vem de um processo de crescimento forte e continuará, dado que a origem desta crise está nos mercados de capitais, na bolsa de valores. O mercado angolano está apoiado na produção, o que é uma vantagem.

A construção, através da Odebrecht, tem sido o sector preferencial para o encaminhamento do investimento brasileiro?

Acho que é um segmento onde existe uma participação mais marcante, mais visível, das empresas brasileiras em Angola. A Odebrecht é uma das empresas que está há mais tempo em Angola, mas hoje também existem outras de grande porte, como é o caso da Camargo Correia, António Guterrez, Queirós Galvão... Mas temos que notar que hoje o brasileiro está nas mais diversas áreas da economia angolana, como a agricultura, o comércio geral, a saúde, educação (inclusive no projecto de alfabetização e aceleração escolar), na área de formação e tecnologia em geral. Acho que, neste momento, em que se fala muito na necessidade da diversificação da economia angolana, o Brasil, mais uma vez, se constitui um parceiro potencial muito forte. O agro-negócio que, sem dúvida, é uma grande potencialidade do vosso país vai ainda elevar Angola a um nível muito alto no mercado internacional, porque a produção de alimentos é factor determinante para o mundo inteiro no momento actual. Angola tem uma extensão territorial muito grande com terras férteis e condições climáticas. Os países mais desenvolvidos, que são os mercados consumidores, e já começam a sentir dificuldades na produção de alimentos e disponibilidade de água, certamente vão preferir comprar alimentos em países produtores como Angola. O Brasil tem uma grande experiência no agro-negócio, tornando-se um país de excelência em termos de tecnologia e pode colaborar com Angola.

O Brasil é o país que mais se bate pela entrada em massa dos biocombustíveis no mundo. Como analisa as iniciativas de empresas brasileiras neste segmento de mercado em Angola?

O Brasil encontrou soluções interessantes para a energia renovável, ecologicamente correcta. Hoje na legislação brasileira obriga-se que na composição do óleo já contenha 4% do óleo vegetal, da semente oleaginosa. Em 2007, durante a visita do Presidente Lula, num evento realizado pela AEBRAN, com a presença de 400 empresários, foi assinado um contrato de sociedade em que participam a Odebrecht e as angolanas Sonangol e a Damer. Hoje já estão a fazer o cultivo de açúcar. Estão numa fase de preparação para a produção do álcool. Isto é muito importante, porque pode elevar Angola à categoria de exportador, já que é um líder do continente africano. Isso gera muito emprego, diminui a poluição e não se esgota tanto o combustível a partir do petróleo.

Considera que actualmente o investimento estrangeiro em Angola está mais facilitado?

A criação da ANIP foi uma medida inteligente e trouxe regulamentação para a entrada de investimentos. Trouxe mais segurança aos investidores e mais clareza. Através da ANIP sabe-se como o capital entra no país, como pode ser repatriado, o resultado do seu investimento, os atractivos que o Governo angolano oferece sob a forma de incentivos fiscais e outras condições.

Quantas empresas brasileiras operam em Angola?

A AEBRAN congrega aproximadamente 40 empresas, mas sabemos que o número é superior. Um grupo empresarial, às vezes, tem mais de três empresas. Posso estimar que existam pelo menos 200 empresas com participação societária de brasileiros.


O facto de o Brasil contar com petróleo pode reforçar as sinergias entre os dois países no domínio da exploração desta matéria-prima?


Sem dúvida. A Petrobrás é a empresa de tecnologia mais avançada em exploração em águas ultraprofundas. O Brasil tem descoberto bacias enormes de petróleo, chegou a atingir a auto-suficiência em relação ao seu consumo. Angola tem parcerias com o Brasil, há muitos anos, no ramo petrolífero. O Brasil exporta principalmente para Angola máquinas, electrodomésticos, tractores, aparelhos de telecomunicações, elementos destinados à indústria do petróleo e até gasolina refinada.


Existe uma aposta noutros sectores?


A pauta de exportações do Brasil para Angola é muito variável. Ela é principalmente de produtos industrializados, máquinas e equipamentos para a construção civil, materiais de construção, aço, vidros, material escolar e médico, alimentos e aviação. A EMBRAER, por exemplo, tem exportado muitos aviões para Angola.


Sabemos que uma transportadora aérea brasileira mostrou-se interessada em entrar no mercado angolano. Como está esse dossiê?


Ainda está numa fase de negociação. Tanto quanto sei, até ao ano passado, as negociações com a empresa brasileira que passaria a operar cá estavam bem adiantadas, mas depois houve alguns problemas técnicos. Não posso adiantar ainda o nome da empresa, mas estamos a trabalhar. O Governo brasileiro tem procurado apoiar, tem discutido com a TAAG para que, em breve, uma empresa brasileira volte a operar em Angola, como aconteceu, durante muitos anos, com a Varig. Hoje o número de frequências da TAAG para o Brasil cresceu, já são cinco por semana, mas ainda é insuficiente. Este ano foi anunciado mais uma frequência da TAAG para São Paulo.

Para além do petróleo, o que é que o Brasil importa de Angola?


Tudo o que o Brasil importa de Angola está relacionado com o petróleo. Por isso é que eu digo que as trocas comerciais vão crescer à medida que Angola comece a produzir industrialmente e no campo agrícola. O facto de a balança pender mais para o lado brasileiro não poderá suscitar uma apreciação negativa por parte das autoridades angolanas? Por acaso, no ano passado, e aí eu repito, que isso tem muito a ver com o preço do petróleo, a balança comercial foi favorável a Angola.


Em quanto?


Próximo dos USD 200 milhões favoráveis a Angola. Tratou-se de uma situação peculiar, porque o preço do petróleo subiu muito. O Brasil afirma-se como uma das grandes economias mundiais. Angola é também uma economia emergente.

Estes factos irão contribuir para estreitar mais as relações económicas entre os dois países?


Como um país continental, com riquezas naturais imensas, baseada em muitas tecnologias, o Brasil tem aparecido no cenário internacional como líder dos países em desenvolvimento, uma posição muito respeitada pelas grandes economias, que conhecem as potencialidades dos países em desenvolvimento. Tanto o Brasil como Angola são muito ricos em recursos hídricos, riquezas minerais, têm um potencial de produção de energia eléctrica e hidroeléctrica muito grande. Enfim, há muita semelhança. A aproximação só trará aspectos positivos para os dois países.


Os dois países poderão ter um papel preponderante dentro da comunidade lusófona?


Sim, porque são líderes regionais. Na América do Sul, o Brasil é uma grande liderança, e em África, Angola é uma grande liderança regional. Os dois provocam muita atenção dos outros mercados. O resto do mundo sabe disso.


A semana passada, o conceituado analista económico Alves da Rocha disse que o Brasil é um país de risco para se investir, já que vai crescer, em 2009, menos que zero. Concorda?

O Brasil é um dos países que sofre menos com a crise. O risco no Brasil vem diminuindo ano a ano, mês a mês. Percebe-se que a economia no Brasil tem já um lastro, uma solidez, uma sustentabilidade que não se abala como outros países, na Europa, por exemplo. Angola também sofre com a crise. O preço do petróleo caiu muito e isso abala o país. Mas acho, tal como muitos analistas, que a crise também é um momento de oportunidade. Respeitamos todas as análises dos especialistas, mas parece-me que todas as projecções que se fazem hoje não são completamente seguras. Sou muito optimista. Acho que vamos sair mais fortalecidos desta crise. Angola e o Brasil têm imensas vantagens como alternativas à crise que atinge o mundo inteiro.


Quantos brasileiros estão em Angola?

Oficialmente, o ano passado, estimavam-se em cerca de sete mil os brasileiros com vistos activos. Mas, estimamos que existam aproximadamente 25 mil brasileiros em Angola. Esse número não é preciso. Tal como a população angolana.


Aquando da visita do Presidente Lula ao nosso país, uma das questões mais debatidas com as autoridades angolanas foi a abolição dos vistos. Isto ainda preocupa?

Reconheço que melhorou. Não chegámos ainda a uma situação confortável. Os vistos ainda demoram um pouco a serem canalizados e aprovados. Nós entendemos a razão disso acontecer. Ainda nos sentimos frustrados, porque nós, AEBRAN, acreditamos e sempre defendemos que Angola e Brasil já deveriam ter abolido a necessidade dos vistos ordinários e de turistas. Isso funciona bem com o Brasil-Portugal, Angola e Namíbia. Pela história secular que temos de aproximação, achamos que já era tempo de angolanos e brasileiros circularem livremente nos dois países. Quanto aos vistos de trabalho é uma outra abordagem.

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